A batalha por Mosul e o futuro do Estado Islâmico

Matéria original de Joseph V. Micallef no Huffington Post

No dia 24 de março, o governo de Bagdá anunciou o início de operações militares para retomar a cidade de Mosul do Estado Islâmico. A cidade onde a maioria são muçulmanos sunitas, a segunda maior cidade do Iraque e maior área urbana controlada pelo Estado Islâmico, tinha uma população de 2 milhões de pessoas antes da guerra.

O anúncio não veio como surpresa e foi consistente com as operações militares já acontecendo em Makhmur, na província de Ninevah, para acabar com posições do Estado Islâmico ao redor de Hawija . Neste momento não está claro se as forças iraquianas estão planejando cercar Hawija e passar por ela, ou se vão tomar controle da cidade e da região ao redor antes de começar a operação diretamente contra Mosul.

O avanço iraquiano coincide com as novas ofensivas do exército sírio a leste de Homs para retomar as cidades de Al-Quaryatayn e Palmyra. A última inclui sítios arqueológicos contendo as ruínas da antiga cidade de Palmyra. Em 26 de março, forças militares sírias estavam avançando na cidade e tomaram controle das partes oeste e norte da cidade e com controle total do distrito de al-Amiriya no extremo norte de Palmyra. A cidade também está localizada próxima a estrada que vai de Damasco a cidade tomada pelo IS ao leste chamada Deir ez-Zur. (Update: em 27 de março, o governo Assad anunciou que os militantes do Estado Islâmico se retiraram da cidade e que as tropas sírias estavam agora em controle de Palmyra.)

Enquanto isso, as tropas apoiadas pelos EUA das Forças Democráticas Sírias (SDF) estão a 32 quilômetros da capital do Estado Islâmico Raqqa. A SDF é formada por tropas curdas do YPG e YPJ junto com milícias sunitas árabes e cristãs. Em um largo movimento de tenaz uma coluna da SDF forçou avanços da recentemente capturada vila de al Shaddadi diretamente a leste enquanto uma segunda coluna avançou da cidade de Suluk diretamente a norte de Raqqa. O avanço cortou uma área de cerca de 6.400 quilômetros quadrados no nordeste da capital do Estado Islâmico.

Ao sul, o Novo Exército da Síria, outro grupo apoiado pelos EUA e o Conselho Coperativo do Golfo liderado pela Arábia Saudita, começou uma nova ofensiva para tomar controle do noroeste de Deir ez-Zur. Também significante, outro grupo de rebeldes sírios avançou 9 quilômetros dentro da cidade de Dabiq, enquanto as forças do governo sírio estão avançando em Dabiq de Al-Bab no sudeste e as forças do SDF estão avançando de Manbij no leste.

A cidade é situada a 48 quilômetros do nordeste de Aleppo e carrega uma particular significância ideológica para o Estado Islâmico. Dabiq foi mencionada em um hadith, um comentário “verificado” do Profeta Muhammad, como local onde a batalha apocalíptica iria ocorrer entre os muçulmanos e os infiéis envolvendo “todos os exércitos do mundo” que iria resultar no “fim dos dias”. No confronto, o profeta Isa (Jesus) apareceria e guiaria as tropas islâmicas sobre os oponentes infiéis assegurando a vitória final para os “verdadeiros crentes”. Esta profecia é o núcleo da visão apocalíptica do Estado Islâmico de como o Islã irá triunfar e governará e reinará um califado global.

O Estado Islâmico nomeou sua brilhosa revista propagandista de Dabiq, e cada edição exibe a citação de Abu Musab Zarqawi, “A faísca foi acendida aqui no Iraque e seu calor se intensificará – com a permissão de Alá – até queimar os exércitos cruzados em Dabiq.”

A queda de Mosul seria uma perda crítica para o Estado Islâmico. O resultado da campanha iraquiana para tomá-la será longo e difícil, porém, e o sucesso não está garantido. Existem três elementos cruciais que irão ditar a possibilidade de sucesso da operação de retomada de Mosul: a campanha militar em si, as questões políticas ao redor da campanha e como o IS vai responder ao Iraque e ao exterior.

O aspecto militar da campanha é relativamente simples. Os Peshmergas Curdos cercaram Mosul no norte, leste e oeste. Com a captura de Tal Afar, todas as principais cidades que levam ao norte, leste e oeste, rodovias 47, 1, 2 e 3 foram cortadas. A rodovia 1 ao sul, de Mosul até Baiji, ainda está mais ou menos nas mãos do IS, assim como porções da rodovia 80 imediatamente ao redor de Mosul até a conexão com a rodovia 3. As atuais operações militares iraquianas em Makhmur, e eventualmente em al Qayyarah a oeste combinado com um avanço iraquiano até a rodovia 1 em Baiji, finalizaria o cerco a Mosul. Apesar de que  algumas estradas secundárias permaneceriam abertas, não permitiriam ao IS acesso a suprimentos ou forças militares na Síria.

Baseada na experiência anterior com a recaptura de Tikrit e Ramadi, a libertação de Mosul provavelmente verá uma prolongada campanha urbana caracterizada por uma luta rua-a-rua com uso indiscriminado de IEDs e armadilhas assim como o de túneis para atingir inesperadamente a retaguarda das tropas iraquianas avançando. Com suporte aéreo próximo e o uso de munição de precisão contra alvos do IS dará uma significante vantagem ao exército iraquiano avançando, a campanha deverá ser longa e difícil e levará, ao menos, a maior parte de 2016 e provavelmente será extendida para 2017. Além disso, existe uma significante população civil ainda em Mosul. Em 4 de fevereiro de 2016, era estimado que ainda habitavam a cidade 700.000 civis. Em comparação praticamente não haviam civis em Tikrit e apenas cerca de 4.000 em Ramadi quando estas campanhas começaram.

De acordo com fontes do governo iraquiano é estimado que ainda existem aproximadamente 10.000 militantes do ISIS em Mosul. A esse ponto não está claro se o Estado Islâmico irá retirar algum desses combatentes em antecipação ao ataque em Mosul. Originalmente Bagdá estimou que precisaria de aproximadamente 24.000 soldados para recapturar a cidade. Fontes do Pentágono colocaram o número próximo a 40.000. Ambos números podem ser baixos aparentemente. Em comparação, Tikrit foi defendida por 1.000 membros do IS e Ramadi por aproximadamente 2.000 membros.

A campanha de Tikrit levou 2 meses e a de Ramadi quase 4 meses antes que cada cidade fosse efetivamente ibertada. Na campanha de Tikrit, forças iraquianas tiveram uma vantagem maior que 10 para 1 em relação aos combatentes do IS, apesar de que as forças iraquianas eram compostas primariamente por mílicias xiitas mal-treinadas. No caso de Ramadi, as forças iraquianas eram compostas primariamente de unidades regulares do exército iraquiano e forças especiais iraquianas, mas novamente aproveitaram a vantagem numérica de 5 para 1.

As questões políticas envolvendo a campanha de Mosul irão pesar na possibilidade de sucesso. Historicamente a cidade de Mosul é de predominância Curda. A cidade e a região ao redor tradicionalmente foi considerada parte da Anatólia ao invés da Mesopotamia. Foi uma província (vilayet) separada sob domínio dos Otomanos das duas províncias (Baghdad Vilayet and Basra Vilayet) que fazem parte da região histórica da Mesopotamia.

Com o Armistício de Mudros, entre a Grã-Bretanha e o Império Otomano, Mosul iria permanecer parte da Anatólia turca pois a região ainda era dominada pelos Otomanos quando o armistício entrou em vigos em 31 de outubro de 1918. No entanto as forças britânicas, impulsionadas pela descoberta de óleo na região, continuou avançando por mais duas semanas depois do cessar-fogo até terem conquistado Mosul e e a região ao redor.

Mosul foi parte da zona de vôo restrita implementada pelos EUA e Grã-Bretanha de 1991 a 2003. Durante este período, no entanto, o governo de Saddam Hussein implementou uma agressiva política de “arabização” que viu o governo realocar um grande número de Árabes sunitas para a cidade e em alguns casos expulsar alguns dos residentes não-árabes. Uma porção significativa da liderança experiente do exército iraquiano veio de Mosul, um fato que pode explicar como um significante número antigos militares e oficiais do governo do partido Baath realizaram um importante papel na administração da cidade sob o domínio do IS.

Anterioremente o governo regional Curdo em Erbil indicou que gostaria de ter Mosul incluída na Região Autonoma do Curdistão. Tal encaminhamento é altamente improvável. O governo de Bagdá não iria querer sua segunda maior cidade incorporada no Curdistão iraquiano. Apesar de suas raízes históricas, a cidade é predominantemente muçulmana sunita agora. Além do mais é provável que a cidade sofre grandes danos durante a campanha militar e a conta para reconstruir será na casa de dezenas de bilhões de dólares – uma soma além dos meios do atual apertado governo regional Curdo.

 

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Disposição das forças no Iraque e na Síria em Março de 2016

Qual será o papel dos Peshmerga Curdos na batalha por Mosul não está claro. Anteriormente o governo regional do Curdistão anunciou que forças militares iraquianas não teriam permissão de operar em território Curdo. Mais ainda, as restrições financeiras do governo regional Curdo, e a falta de vontade em derramar sangue Curdo para que será definitivamente uma cidade iraquiana, também significa que o papel dos Peshmerga provavelmente será de segurar as atuais posições defensivas no leste, norte e oeste de Mosul, mas não participar ativamente no avanço dentro da cidade.

O papel das milícias xiitas também não está claro. Anteriormente estas milícias e seus patrocinadores iranianos pressionaram por uma participação ativa na campanha de Mosul. O governo de Bagdá resistiu a um papel proeminente das milícias xiitas temendo uma repetição da violência sectária que surgiu após a libertação de Tikrit. A situação com estas milícias é muito fluída no entanto. O atual governo de Bagdá dominado por xiitas está gravemente fraturado. Um papel mais importante para as milícias xiitas pode ser o preço que o Sadr e outros grupos políticos xiitas demandem pelo seu apoio ao governo. No momento, milícias xiitas estão engajadas ativamente contra o Estado Islâmico nas áreas desérticas ao redor de Samarra, cerca da metade do caminho entre Bagdá e Tikrit mas parecem não ter uma presença significativa mais ao norte.

Além disso, se experiências passadas com o IS podem servir de guia, uma ofensiva acima do Rio Tigres contra Mosul provavelmente precipitará ataques dos militantes do IS no vale do Eufrates, especialmente na província dominada pelos sunitas de Anbar. De fato a tomada de Ramadi pelo IS em maio de 2015, foi em parte alavancada pelos sinais visíveis que Bagdá estava preparando uma campanha no vale do Tigres em direção a Mosul. Não é claro, e improvável, que o exército iraquiano tenha forças suficientes para confrontar combatentes do ISIS em ambas as frentes do Tigres e do Eufrates. Bagdá provavelmente irá depender de milícias xiitas para lidar com qualquer novo ataque do IS em cidades do vale do Eufrates. Dependendo da extensão destes ataques, e o quanto Bagdá depende das milícias xiitas para contê-los, pode determinar se essas milícias podem demandar com sucesso um papel mais importante na campanha de Mosul.

Bagdá está dependendo primariamento do exército iraquiano treinado pelos americanos para avançar em Mosul. O quão efetivo estas forças serão, no entanto, permanece sem resposta. Forças especiais iraquianas treinadas pelos EUA foram bem durante a campanha de Ramadi. O “Batalhão Dourado”, o 36º Batalhão de Comando, em particular, recebeu elogios de conselheiros americanos. Não está claro ainda se as forças especiais são ativas na campanha de Mosul ou ainda estão alocando realizando varreduras ao redor de Ramadi.

O exército regular iraquiano, no entanto, ainda é um ponto de interrrogação. Existem numerosos relatórios de tropas iraquianas fugindo do campo de batalha durante operações militares contra o IS na vila de Nasr, sul de Mosul, em 25 de março, quando ficaram sob prolongado fogo de franco-atiradores de combatentes do IS na vila. Unidades Peshmerga adjacentes, a maioria armados com velhas Kalashnikovs e sem o moderno equipamento das unidades iraquianas, seguraram suas posições.

O mesmo aconteceu uma semana antes quando tropas iraquianas fugiram de suas posições defendendo uma recém construída base dos fuzileiros americanos próximo a Makhmor. O complexo, tecnicamente uma base de artilharia era operada por 200 fuzileiros da 26º Unidade Expedicionária da Marinha. A base deveria providenciar suporte aéreo para as tropas iraquianas limpando militantes do IS da área para o eventual avanço em Mosul e proteger as tropas iraquianas da 15ª divisão na área. Um fuzileiro foi morto quando combatentes do IS puderam se aproximar o suficiente da base e atacá-la com morteiros.

O papel das milícias sunitas na campanha de Mosul também não está claro. OS EUA tem demandado que o governo de Bagdá organize e arme uma guarda nacional sunita, mas o governo iraquiano continua relutante a fazer por temer que tais unidades podem ser um núcleo de uma resistência armada sunita a Bagdá, Equipamente militar que o Pentágono enviou ao Iraque para armar a Guarda Nacional Sunita foi para as unidades Guarda Nacional Xiita. O governo turco demonstrou que vê um papel para si no treinamento e armamento de milícias sunitas mas parece que não se moveu para fazer isso ainda.

A provável resposta do Estado Islâmico para a campanha de Mosul será quadrupla. Na frente do Tigres irão adotar a estratégia da terra queimada dependendo fortemente de IEDs e outros tipos de armadilhas para postergar o avanço iraquiano enquanto se engaja em uma campanha urbana rua-a-rua dentro de Mosul. Além disso, eles provavelmente irão usar táticas de insurgência na retaguarda das forças iraquianas avançando em Mosul. Também é provável que que combatentes do IS irão capturar soldados iraquianos xiitas para execuções brutais como forma de reduzir a moral da força.  

 

É provável que o IS lance um ataque contra alvos civis em Bagdá e no sul dominado pelos xiitas. Já existem sinais de que isto já está acontecendo. Desde fevereiro existe uma série de ataques terroristas no Iraque. Estes ataques incluem duas bombas que explodiram em um mercado na cidade de Sadr, um subúrbio xiita de Bagdá, em 28 de fevereiro que matou 70 pessoas, um ataque suicida durante um funeral em Muqdadiya em 29 de fevereiro, um ataque de quatro homens-bombas contra o quartel militar iraquiano em Haditha no primeiro de março, e um ataque suicida que detonou uma bomba durante um jogo de futebol em 25 de março em um estádio em Iskanderiyah, 48 quilômetros ao sul de Bagdá, que matou 29 pessoas e feriu mais 60.

Finalmente, embora não vão deter o apoio fornecido pelos EUA e seus aliados para o exército iraquiano, é provável que os membros do IS na Europa, e possivelmente nos EUA, vão procurar atacar alvos fáceis onde houver oportunidade como forma de punir o apoio americano e da OTAN ao exército iraquiano. Nos último 18 meses, a habilidade do Estado Islâmico de planejar ataques sofisticados contra alvos ocidentais melhorou significantemente. Em 22 de março, menos de 4 meses depois de ataques similares em Paris, militantes do IS lançaram uma série de ataques em Bruxelas, no aeroporto e em uma estação de metrô, que resultou na morte de pelo menos 31 e feriu outros 250.

A campanha para retomar Mosul está só começando. Juntando com as perdas que está tendo na Síria, nós podemos ver o Estado Islâmico peder todo ou a maior parte do território que controla na Síria e no Iraque nos próximos 18 ou 24 meses. Tal resultado está longe de ser uma certeza no entanto, e pode ser esperado que o IS contra-ataque sempre que puder, especialmente em alvos fáceis na Europa e nos Estados Unidos. Mesmo se as campanhas na Síria e no Iraque funcionarem o Estado Islâmico será bem-sucedido, o IS permanecerá uma poderosa insurgência internacional capaza de continuar a atacar a Europa e os EUA, e ainda ativamente engajada na Líbia e alguns outros países ao redor do mundo. Independente das adicionais derrotas que o Estado Islâmico sofrer nos próximos 12 a 24 meses, isto não é o início do fim do Estado Islâmico, é na melhor das hipóteses o final do início.